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“PSICOLOGIA E SAÚDE: DESAFIO ÀS POLÍTICAS PÚBLICAS NO BRASIL”


PSICOLOGIA E SAÚDE: DESAFIOS ÀS POLÍTICAS PÚBLICAS NO BRASIL
Ana Mercês Bahia Bock (Presidente do CFP/Puc-SP)

A Psicologia no Brasil possui uma tradição elitista e frágil. A Psicologia foi criada no Brasil, como profissão, dentro de um projeto de modernização do país. Éramos naquele período não mais que 1000 psicólogos em um país de maioria rural. A Psicologia trazia a promessa da previsão do comportamento e a psicotecnia era a principal expressão pública da profissão. No final dos anos 70 já éramos 70 mil psicólogos que adotaram uma profissão sem modelo e sem lastro. Era preciso construir o reconhecimento da profissão. Em uma primeira fase, que poderíamos situar entre 70 e 88, éramos uma profissão de elite. Fechados em nossos consultórios particulares, atendíamos uma pequena parcela da população que podia pagar por um serviço caro. A aproximação com as questões sócias e a busca da democratização de nossas entidades caracterizou o final dos anos 80. Os Conselhos se modernizaram; as áreas sociais da Psicologia se fortaleceram e novos conhecimentos e práticas foram inaugurados. A Psicologia, nos anos 90, buscou estabelecer um novo compromisso com a sociedade brasileira. Em toda essa história, fica evidente que conquistamos a profissão sem que houvesse um coletivo forte a lhe dar sustentação. Conquistamos a profissão e agora temos o desafio de produzir seu reconhecimento social e o coletivo profissional que a constitui. Precisamos da corporação dos psicólogos para produzir a profissão que temos. Nosso maior desafio, neste início de século, é produzir um ator coletivo que represente e fale em nome da Psicologia e produzir a legitimação das organizações que darão força à corporação; estas organizações têm a tarefa urgente de dialogar com o Estado e com a sociedade brasileira para negociar as possibilidades e as funções do psicólogo para além do que se conquistou na Lei. Hoje, somos 150 mil profissionais que querem se envolver com a profissão e para isso é preciso cumprir com estas tarefas apontadas. As políticas públicas surgem então como um espaço necessário para que esta corporação possa ampliar seu lugar social. Além disso, as políticas públicas são a real possibilidade de rompermos com nossa tradição elitista e colocarmos a Psicologia a serviço da maioria da população brasileira.

PSICOLOGIA SOCIAL E POLÍTICAS DE SAÚDE
Cornelis Johannes van Stralen (Presidente da ABRAPSO/UFMG)

Há muitas interfaces entre psicologia social e políticas de saúde, formando um vasto campo de estudos que abranja tanto processos de formulação, implementação e avaliação de políticas de saúde como uma grande variedade de temas, tais como s construção social de saúde e doença, os determinantes de comportamentos relacionados à saúde, aspectos psicossociais de doenças, a relação médico-paciente. É possível ordenar o campo, fazendo distinção entre uma psicologia social de políticas de saúde e uma psicologia social para políticas de saúde, a primeira procurando avançar a compreensão de processos de saúde e doença e o funcionamento e dinâmica de serviços de saúde e a segunda principalmente voltada para transformação destes processos e dos serviços de saúde. Uma psicologia social de saúde voltada para transformação não pode deixar de considerar que o processo de medicalização da vida social avança a passos largos, inclusive através de discursos aparentemente contrários, como o discurso de promoção de saúde. Crescentemente, saúde está se tornando um valor quase absoluto. Nesta perspectiva, um campo prioritário para uma psicologia social para políticas de saúde parece a análise e a intervenção em relações de poder que influenciam concepções de saúde e estruturam a atenção à saúde.

“SAÚDE MENTAL: AFIRMAÇÃO DE FAZERES E PARTICIPAÇÃO SOCIAL”

SAÚDE MENTAL: AFIRMAÇÃO DE FAZERES E PARTICIPAÇÃO SOCIAL
Maria Cristina Campello Lavrador (Profª Departamento de Psicologia – UFES; Doutoranda em Psicologia UFES)

As políticas públicas de saúde mental são historicamente construídas pelos saberes e fazeres cotidianos dos pesquisadores, dos profissionais, dos usuários, dos familiares e dos movimentos sociais, organizados ou não. Desse modo, não se reduzem às políticas governamentais com seus programas, projetos, regulamentações, leis e normas que, por sua vez, e muitas vezes, refletem algumas das propostas e ações dos trabalhadores de saúde mental e dos movimentos sociais. Porém, faz-se necessário a manutenção da autonomia, da crítica, da afirmação de proposições e da garantia dos avanços já conquistados no campo da assistência e da legislação, por parte desses atores sociais. A participação e a mobilização social, e a gestão coletiva do trabalho, que abarca as equipes dos serviços e todos os atores sociais envolvidos, são fundamentais para a transformação do modelo de assistência e dos modos de viver, sentir e lidar com a loucura. Isso implica a desmontagem da lógica manicomial que se caracteriza por ações de dominação, de subjugação, de tutela, de classificação, de hierarquização, de opressão e de controle, desde as mais explícitas até as mais sutis. Bem como, a desinstitucionalização da loucura, através da desconstrução dos saberes, das práticas e dos discursos que reduzem a experiência da loucura à patologia, à incapacidade, à periculosidade e ao erro. Porém, isso não significa uma mera aceitação do outro como diferente e, ao mesmo tempo, ficarmos indiferentes a ele, pois dessa forma reafirmamos a segregação dissimulada e civilizada. É necessário problematizarmos a relação que se estabelece com a loucura e com todos os modos de existência que fogem a um padrão. A Reforma Psiquiátrica e o Movimento da Luta Antimanicomial vêm contribuindo com esse processo de desinstitucionalização ao questionarem o paradigma psiquiátrico e a ineficácia desse tipo de tratamento. Afirmando outras formas possíveis e em curso de atenção psicossocial que nos convidam à mudança de perspectiva, a um outro olhar, a um outro gesto, a um outro modo de estar junto. Quando ficamos presos na armadilha binária do louco e do não louco, ou do ‘mundo da loucura’ e o ‘mundo da não loucura’, sucumbimos à impotência. Mas quando esses ‘mundos’ conseguem se atravessar e se comunicar produz-se ‘entre mundos’ mais potentes, mais intensivos, mais generosos e mais solidários. Enfim, quanto e como temos conseguido afirmar uma potência criadora de espaços de liberdade, entendida como auto-desprendimento, auto-invenção, experiência limite sobre si mesmo? A luta pela liberdade exige uma crítica do que somos para que se possa ultrapassar as formas dadas e pensar, agir e ser diferentemente do que se pensa, age e é.

ATENÇÃO À SAÚDE NO CAMPO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS: A EXPERIÊNCIA DOS PROFISSIONAIS DO PSF EM CABO DE SANTO AGOSTINHO (PE)
Bárbara E. Bezerra Cabral (Coordenação de Saúde Mental do Recife (PE))

Esta pesquisa teve por objetivo problematizar as possibilidades de um sentido ético e político para a ação territorial em saúde como intervenção em saúde pública, através do Programa Saúde da Família (PSF), a partir da experiência de profissionais que a exercem. O cenário do estudo em questão, portanto, é o da atenção à saúde, no campo das políticas públicas. Tal investimento justificou-se pela existência de poucos estudos sistematizados em torno deste tema, dada a necessidade de aprofundar uma reflexão sobre a formação profissional para tal intervenção. Contudo, apresentou-se, também, como possibilidade de reflexões sobre a avaliação do PSF. Caracterizou-se como uma pesquisa fenomenológica existencial, em que se lançou mão da metodologia de relatos orais. Os interlocutores foram nove profissionais de saúde pública do município do Cabo de Santo Agostinho-PE, envolvidos na estratégia de ação territorial em saúde a partir do PSF. A escuta das narrativas aconteceu em dois momentos: uma discussão grupal com todos os participantes e uma entrevista individual posterior, proporcionando-se espaço para que os profissionais falassem de sua prática e experiência nesse modo de atuação. A própria metodologia revelou-se promotora de experiência, na medida em que propiciou reflexão sobre a forma de cuidar, gerando sentido para o fazer. Mostrou-se, ainda, como uma possibilidade de cuidar do cuidador. Destaca-se seu caráter interventivo de pesquisa, segundo referenciais da Psicossociologia Clínica. A interpretação das narrativas colhidas apontou aspectos diversos sobre
o tema, como: a dissonância entre os objetivos propostos do PSF e a ação real/possível, a importância de repensar os contextos de formação profissional, a necessidade de reflexão em torno do fazer e as dificuldades para a realização de um trabalho efetivamente coletivo, requisito dessa ação territorial em saúde.

A CONSTRUÇÃO COLETIVA NO CAMPO DA ATENÇÃO PSICOSSOCIAL
Cláudia Gomes Rossoni (Assistente Social, Coordenadora Estadual de Saúde Mental - ES, Mestranda do Programa de Atenção a Saúde Coletiva-UFES e Professora da EMESCAM.)

Os marcos teóricos e conceituais construídos em torno da questão da saúde mental balizam e são balizados pela política de saúde mental, pela atuação dos profissionais, pela participação de usuários, familiares e de novos atores que são agregados no cotidiano das políticas públicas. Avanços são percebidos na atenção e na inserção social das pessoas com transtornos mentais, proporcionados por serviços de base extra-hospitalar e comunitário e por experiências comunitárias que emergiram dessas construções teóricas e da multiplicidade de práticas no campo da atenção psicossocial. Essa multiplicidade é decorrente do envolvimento e da diversidade de atores, de linhas teóricas, de técnicas e de experiências de atendimento e cuidado, pautados no paradigma da atenção psicossocial que se constitui em um novo saber e fazer saúde. Este paradigma, construído a partir do movimento da reforma psiquiátrica, alterou o conjunto das práticas institucionais e é tomado como meta na transformação dos modos de viver e sentir o sofrimento psíquico e a buscar novas formas de lidar com a loucura e a desinstitucionalizar os “loucos” e os profissionais de saúde. O paradigma da atenção psicossocial amplia a noção e o conceito de loucura ao trabalhar com as diferenças e as potencialidades do sujeito “louco”, e se efetiva num processo de construção coletiva que envolve diversos atores e as relações entre eles. A desconstrução da lógica manicomial implica em novas posturas, olhares e interpretações da loucura não considerada como erro, incapacidade, doença mental e sim como diferença e um modo diferente de relação com o mundo. A construção e transformação desse campo exigem uma plasticidade, principalmente, dos profissionais de saúde, uma multiplicidade de práticas e ações desenvolvidas no interior dos serviços de saúde e dos grupos sociais, organizados ou não, visando consolidar o rompimento com a lógica manicomial. Para tanto, o papel dos profissionais de saúde, das lideranças comunitárias e demais atores sociais é relevante na transformação das relações cotidianas tanto na concepção e compreensão da loucura quanto na concepção das práticas intra e interinstitucional. Espera-se, então, que as relações e o cuidado no interior dos serviços de atenção psicossocial e da sociedade em geral considerem as potencialidades e possibilidades, e busquem a autonomia e participação de seus atores, enfocando principalmente a inclusão social e a garantia dos direitos das pessoas com transtornos mentais aos bens culturais, sociais e econômicos.

LOUCOS POR VOCÊ: A PARTICIPAÇÃO DOS USUÁRIOS E FAMILIARES VINCULADOS AO MOVIMENTO DA LUTA ANTIMANICOMIAL NO PROCESSO DE DESINSTITUCIONALIZAÇÃO.
Jairo Guerra (ONG “Loucos por Você” (MG))

O processo de desinstitucionalização ocorrido no Brasil a partir da última década do século XX tem como uma das características mais marcantes a forte participação do Movimento da Luta Antimanicomial. No entanto, tal processo, apesar de apresentar inúmeros avanços no campo assistencial e legislativo, ainda encontra grandes resistências conformando um mapa nacional onde predomina a exclusão do portador de sofrimento mental grave e de seus familiares. Buscando vencer tais resistências no contexto local surge a Associação Loucos por Você (Ipatinga/MG) que organiza usuários, familiares e demais parceiros em torno da sua luta “por uma sociedade sem manicômios”. Essa associação constitui um grupo aberto e itinerante que, inicialmente destinado à organização da luta frente ao Estado pela implantação de um Centro de Atenção Psicossocial (CAPS), torna-se, paulatinamente, em um rico espaço de publicização de inúmeras formas de sofrimento vivenciados por usuários e familiares no cotidiano. A partir dos relatos, das dúvidas e demandas dirigidas ao grupo identificou-se relações de opressão presentes no espaço doméstico e comunitário sendo realizadas diversas intervenções. Inúmeras solicitações de internação manicomial dirigidas ao movimento por familiares e vizinhos são evitadas por meio de visitas que desfazem “crises” produzidas pelo desconhecimento, pelo medo e pelo preconceito. Mesmo após a conquista da implantação do CAPS, ocorrida em 2004, os membros do movimento continuam buscando intervir no modelo assistencial rigidamente hierarquizado e que ainda mantém as internações manicomiais, bem como questionam práticas profissionais que se apresentam distanciadas e insensíveis ao sofrimento, priorizando as saídas técnicas ao invés das saídas solidárias, reduzindo os usuários e familiares a meros objetos do conhecimento psiquiátrico-psicológico. Assim, pode-se perceber que a mobilização coletiva ocorrida possibilitou a politização de inúmeras relações opressoras produtoras de sofrimento ético-político, abrindo caminhos para a imaginação e experimentação de novas práticas marcadas pela solidariedade nos espaços doméstico e da comunidade, sem perder de vista a luta no espaço da cidadania.
“PSICOLOGIA E POLÍTICAS PÚBLICAS NO CAMPO DO TRABALHO”

PSICOLOGIA E POLÍTICAS PÚBLICAS NO MUNDO DO TRABALHO
Leny Sato (Instituto de Psicologia - USP)

Essa apresentação traz ao debate reflexões e achados de pesquisas em psicologia social sobre o trabalho e as políticas públicas de corte social. Tomando-se as noções de tática e estratégia, segundo Michel de Certeau, busca, em primeiro lugar, tematizar a relação entre as políticas públicas e as pessoas. Em segundo lugar busca evidenciar algumas contribuições da pesquisa em psicologia social para pensar a construção de políticas públicas, tomando-se como foco a história e os projetos de vida e as expectativas das pessoas. Para tanto, serão trazidos argumentos a partir de estudos empíricos relativos à Saúde do Trabalhador e ao desemprego.

PSICOLOGIA E POLÍTICAS PÚBLICAS NO MUNDO DO TRABALHO
Claudia Osório (Universidade Federal Fluminense)

Um dos debates importantes a ser travado na discussão não apenas da Psicologia, mas da Saúde, em sua relação com o trabalho, diz respeito às políticas hoje definidas para o trabalhador do setor público. Se, desde a promulgação da atual Constituição, em 1988, avançamos na definição de políticas e na legislação pertinente à saúde dos trabalhadores regidos pela CLT,
o mesmo não se pode dizer com relação ao servidor público. Faz-se necessário levar a cabo as discussões já iniciadas no sentido de estabelecer os dispositivos que nos permitam avançar também neste campo. Hoje, nas relações de trabalho que se dão no capitalismo contemporâneo, a subjetividade do trabalhador é convocada, e explorada, gerando um perfil de morbidade em que ressaltam-se as doenças resultantes de um desgaste continuado, sobretudo cognitivo e psíquico. Para transformar esse quadro propõe-se tomar o conceito de saúde como vitalidade, como possibilidade de inventar novas normas, novos modos de pensar e fazer, colocando-se como meta a ampliação do poder de ação dos trabalhadores. A Psicologia tem muito a contribuir como uma das disciplinas intercessoras neste processo de produção de relações de trabalho que tenham como efeito a saúde e não o desgaste e/ou a doença. Para ilustrar o debate serão apresentados alguns aspectos de uma experiência de construção de uma Comissão de Saúde do Trabalhador em um hospital da rede federal do SUS, localizado na cidade do Rio de Janeiro. Nesta experiência, sustentada pelos conceitos e princípios da Vigilância em Saúde do Trabalhador, agregam-se conceitos da Psicologia do Trabalho italiana (Oddone) e da Clínica da Atividade (Clot), para propor a intervenção em Saúde do Trabalhador como um dispositivo entre outros de gestão participativa e de valorização do saber que advém da experiência dos profissionais de saúde.
“PARTICIPAÇÃO E CONTROLE SOCIAL NAS POLÍTICAS PÚBLICAS DE SAÚDE”

MICROPOLÍTICAS DOS AFECTOS: REINVENTANDO A PARTICIPAÇÃO E O CONTROLE SOCIAL EM SAÚDE
Magda Dimenstein (Universidade Federal do Rio Grande do Norte)

A discussão sobre participação e controle social no SUS está, tradicionalmente, voltada para a afirmação de certas garantias e direitos sociais, bem como para consolidar os ideais de cidadania e de inclusão num contexto nacional de despolitização e esvaziamento do espaço público. Enquanto eixos importantes de sustentação do projeto político do movimento de reforma sanitária brasileira, tais princípios vêm sendo capturados ao longo dos anos, assumindo uma feição “operativa” destituída de sua potência criativa e transformadora. A psicologia pouco ou quase nada tem acrescentado a esse debate pela força dos atravessamentos que a perpassam tanto do ponto de vista teórico-conceitual, técnico-assistencial, quanto sócio-político. Cabe, todavia, nos perguntar por outros modos, por caminhos dissidentes, por um pouco de possível, que nos lancem numa perspectiva de participação e controle social, segundo Lins, curada da culpa e do modelo adâmico de humanidade “faltante”, inaugurando saberes como sabores, não mais teleguiados pelo racional, mas por uma micropolítica dos afectos, do cuidado de si e dos outros. Pensar, portanto, a partir de uma ética dos afectos que instaura uma nova relação dos sujeitos com o mundo é voltar-se para um sujeito coletivo, para uma rede de intensidades onde cada qual é um elo entre as potências, onde a afetação dos corpos será resistência às capturas e à sujeição. Viver a participação como implicação, envolvimento, afetação; exercer o controle social para além das idéias de cidadania, de militância, de sujeito-substância, de identidades; desmontar a “gorda saúde dominante”, a vida aprisionada em representações e modelos do que é ser saudável, normal, bom, estável, equilibrado, tudo isso são desafios importantes que estão postos à psicologia e ao campo das políticas públicas.

POLÍTICA DE ATENÇÃO AO USO INDEVIDO DE DROGAS NO BRASIL – OU SOBRE COMO PERCORRER O LABIRINTO DO MINOTAURO
Maria Lúcia Teixeira Garcia (Mestrado em Política Social/UFES)

No Brasil, os problemas relacionados ao abuso de drogas são cada vez mais objeto de preocupação por parte da sociedade em geral, em decorrência do crescente aumento de seu consumo pela população. Dentro do contexto da Saúde Mental, a dependência química foi alvo de um padrão assistencial caracterizado pela exclusão e o confinamento em hospitais psiquiátricos cujo resultado era, em geral, de piora em relação ao quadro inicial, fato gerador da internação. As ações, nesta área, eram demarcadas pela ineficiência, pela baixa qualidade, pelo reforço da ideologia hospitalocêntrica, pelos elevados custos sociais e econômicos e, sobretudo, pela violação dos direitos humanos. De acordo com o Ministério da Saúde os custos das drogas psicoativas no Brasil corresponde a 7,9 % do PIB por ano, ou seja, 28 bilhões de dólares. Os gastos relativos a internações hospitalares decorrentes do uso indevido de álcool e outras drogas, no triênio de 1995-97, ultrapassaram os 310 milhões de reais. Considerando as políticas de enfrentamento à questão das drogas, observa-se que a partir da década de 40, através de pressões internacionais a questão do foi incorporada ao Código Penal. Prevaleceu nesse período, um enfoque prioritariamente repressivo, no qual buscou controlar o tráfico e o consumo de substâncias psicoativas, enviando para a prisão tanto traficante como usuários. Essas intervenções encontravam-se fundamentadas na denominada redução da oferta, cujo objetivo era inibir o uso indevido de tais substâncias pela restrição ao acesso às drogas com enfoque sobre a figura do trabalhador. É na década de 80 que se observa uma progressiva mudança na atenção em saúde mental – da ênfase nas internações para os serviços de atenção primária e secundária. Essas mudanças se constituíram bases para a reestruturação dos serviços de saúde, bem como novas alternativas de tratamento à dependência química inserida no campo da saúde mental, fundamentadas nas práticas de atendimento ambulatorial, nos Centros de Atenção Psicossociais, internação em hospitais gerais e um enfoque centrado na lógica da redução de danos. A atual política de atenção ao uso de álcool e outras drogas tem como elementos norteadores o SUS, a Lei 10.216, CNS e a III CNSM, que trazem a necessidade da criação de uma rede de assistência a esses usuários na qual a atenção deva estar subsidiada pela atenção comunitária associada à rede de serviços de saúde e sociais. Essa política enfatiza que o consumo de substâncias psicoativas é um problema de saúde pública, e as estratégias de intervenção centram-se na política de redução de danos,n o estabelecimento dos CAPS ad e nas redes assistenciais. Ultrapassa-se aqui o foco na abstinência, ampliando-se o espectro de possibilidades dessa atenção, partindo-se do princípio que não existe tratamento especifico para todos. Assim, a atual política preconiza uma compreensão global do problema, apontando a necessidade de não se olhar esse tema conectando à criminalidade, com a adoção de práticas anti-sociais, com ofertas de tratamentos inspirados em modelos de exclusão e de separação dos usuários do convívio social. Afirma-se a necessidade de constituição de práticas alternativas de atenção em contraposição às práticas de caráter totalizante, fechadas que tem como foco único e central abstinência da substância psicoativa.

O PSF E A CONSTRUÇÃO DE AUTONOMIA
Maristela Dalbello de Araújo (Departamento de Psicologia da Universidade Federal do Espírito Santo)

Procuramos analisar as possibilidades de mudanças na assistência à saúde, tais como: a criação de vínculos entre os profissionais e a comunidade e o incentivo à participação comunitária no planejamento e execução das ações no âmbito do SUS, por meio da avaliação genealógica do trabalho de uma Equipe do Programa de Saúde da Família. Especial atenção foi dada ao embate entre o saber científico e o saber popular. Assinalamos quais as circunstâncias em que as ações contribuíram para um aumento da autonomia por parte da comunidade, o que indica um aumento das formas de controle social da população sobre as ações de saúde, ou ao contrário, em quais ocasiões os movimentos indicaram um movimento de submissão aos saberes especialistas. Essa pesquisa se deu por meio da observação do trabalho cotidiano da Equipe, durante o período de janeiro a setembro de 2002; nove entrevistas individuais com os profissionais de saúde; sete entrevistas coletivas com os agentes comunitários de saúde e oito entrevistas coletivas com a comunidade. Avaliamos que as possibilidades de ruptura com o modelo convencional de assistência e aproximação com a comunidade estão dadas. Existe um inegável esforço, por parte dos profissionais, na construção de vínculos e na realização das Ações Básicas de Saúde. Porém, as dificuldades para que a população efetivamente participe da promoção da saúde são inúmeras. Uma delas é a ênfase nas orientações para modificação de comportamentos, tidos como de risco, sem que haja uma discussão dos aspectos ambientais e sociais subjacentes à sua construção social. Tal perspectiva contribui para despolitizar o conceito de saúde e dificulta a construção da autonomia por parte da comunidade. Existem também entraves de ordem organizacional. Dizem respeito a resistências por parte das corporações profissionais, especialmente da corporação médica; inadequação e alta rotatividade dos recursos humanos, devido, em grande parte, à formação profissional que não fornece subsídios para as exigências dessa tarefa; verticalização das prioridades, o que contribui para a despontencializar as inovações de caráter local; aumento dos mecanismos de controle sobre as tarefas e a pouca valorização dos espaços de troca e reflexão sobre o trabalho. Tais aspectos organizacionais têm produzido a sensação de impotência, frustração e sofrimento entre os profissionais. Chamamos a atenção da formação em Psicologia voltar-se para estas questões, capacitando os novos profissionais para contribuir na construção dessa nossa estratégia em Saúde Pública.

“TROCANDO IDÉIAS”

GESTÃO E TRANSDISCIPLINARIDADE EM POLÍTICAS PÚBLICAS DE SAÚDE
Regina Benevides de Barros (Departamento de Psicologia UFF)

Historicamente a Gestão dos processos de trabalho está marcada por orientações voltadas ao aumento da produtividade e da eficiência. Todos os recursos, desde os meios de produção até os produtores dos meios e dos produtos devem se alinhar para que a direção definida não se desvie. Modelos de gestão são, então, desenhos das relações que devem ser estabelecidas de modo a dar suporte à efetuação da engrenagem da produção. O traçado destes desenhos, feito predominantemente de linhas verticais e horizontais é, portanto, não casual, mas detalhadamente montado a partir de escolhas ético-política precisas. A complexa arquitetura que daí advém, quando posta em análise, indica tensões, fraturas, disputas, saberes e poderes, processos de subjetivação, zonas de visibilidade e dizibilidades distintas, mas principalmente aponta para efeitos-realidade que merecem ser acompanhados.No campo das políticas públicas de saúde, a maneira privilegiada do SUS se exercer tem sido através de Programas. Estes funcionam como cortes verticais que se estabelecem desde o Ministério da Saúde até chegar aos Serviços de Saúde. A questão que deve ser colocada é como isto se operacionaliza e o que se passa neste caminho que constitui as diferentes instâncias do Sistema Único de Saúde: Secretaria Estadual, Municipal, equipamentos de saúde, Comissões de saúde. Duas grandes operações podem, nesta trajetória, se realizar. Na primeira, ocorre o aprofundamento da operação vertical, isto é, as normativas encontram modelos de gestão e operacionalização que efetuam os Programas burocraticamente, descontextualizadamente e dispersam a ação programática em índices a serem cumpridos e metas a serem alcançadas independentes de sua resolutibilidade. Os Programas são simplesmente um “conjunto fragmentado” de ações de saúde que pouco levam em conta a análise de sua eficácia. Na segunda, o que pode acontecer é o encontro do Programa como normativa com modelos de gestão mais horizontalizados e integrados que se utilizam de arranjos institucionais que convocam maior participação dos profissionais de saúde e da população no gerenciamento mesmo da saúde. Neste caso, o Programa poderá ser incluído, trabalhado, numa perspectiva de alargamento de suas possibilidades programáticas e buscará índices de articulação mais ampliados. Entretanto, é o caráter vertical da gestão presente no modo “programático” que deve ser argüido, desestabilizado. Um potente operador para esta ação de desestabilização se dá, a nosso ver, quando conseguimos criar dispositivos que catalisem, instaurem práticas transdisciplinares. Estas se caracterizam exatamente pelo compromisso de tecerem com as linhas da gestão - verticais e horizontais -, uma rotação de eixos, rotação provocada pela ação de transversalização. Isso se faz pelo contato com o fora da instituição, do setor, do corporativismo profissional, da Secretaria, dos equipamentos de saúde, numa mudança de sentido, de atitude, para a construção de melhores condições de trabalho dos gestores, dos profissionais, de um melhor atendimento para os usuários, e de uma rede de saúde descentralizada, regionalizada e integrada que potencialize todos aqueles que ao produzirem saúde, produzem-se como sujeitos deste processo.

GESTÃO E TRANSDISCIPLINARIDADE EM POLÍTICAS PÚBLICAS DE SAÚDE
Sandra Maria Sales Fagundes (Psicóloga, Assessora da Direção Grupo Hospitalar Conceição
– RS, especialista em saúde comunitária e mestranda em educação e saúde na UFRGS.)

Conceituando políticas públicas “como ações, programas, projetos, regulamentações, leis e normas que o Estado desenvolve para administrar de maneira mais eqüitativa os diferentes interesses sociais”(Almeida, 2001), situamos o Sistema Único de Saúde - SUS – como uma das políticas públicas mais férteis para a superação de iniqüidades de nosso país. O SUS foi concebido no contexto histórico de democratização do país, no qual o desafio da construção de viabilidade de controle da sociedade sobre o Estado é vigente. Controle que exige pessoas capazes de protagonismo, de exercício de cidadania e de autonomia, capacidades a serem desejadas e conquistadas por parcelas significativas da sociedade. Para tanto, há necessidade de propostas de distribuição de poder (políticas) geradoras de empoderamento, de valor, de multiplicidade de processos de subjetivação de pessoas até então discriminadas por questões de gênero, de etnia, de patologias, de classe social. Propostas as quais necessitam de organizações e métodos democratizantes, participativos, includentes e inovadores para terem suporte e consistência. O conceito de saúde no qual o SUS está alicerçado explicita que a saúde é determinada pelas condições de vida, portanto resultante de processos transetoriais, que envolvem meio ambiente, desenvolvimento, cultura, educação, assistência social, segurança, habitação e direitos humanos. Nesse sentido, o sistema e os serviços de saúde precisam ser partícipes de uma rede de proteção social, na qual o compromisso é responder às necessidades das pessoas: condições de vida, acesso às tecnologias, vínculo e autonomia. Rede propiciadora de acolhida, vigilância e cuidado. O desafio da gestão é de direcionar e redirecionar recursos para os processos produtores efetivamente de saúde, é de criar dispositivos e instrumentos indutores, potencializadores de coletivos de trabalho no cotidiano dos serviços, interconectados em rede e transformadores das situações loco-regionais.

 
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